E se o Homem não fosse um Mito?
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Suponhamos que graças à nossa imaginação conseguimos entrar, por artes mágicas e pelos fundos de um guarda-roupa, num mundo ficcional onde os animais pensam e falam como nós, um local onde existem centauros e faunos inteligentes, fénix(s) e minotauros que sabem intencional e conscientemente o que querem. Este é um mundo fantástico em que as bruxas vestem de branco e os Leões são realmente reis; um mundo em tudo “igual” ao nosso, não fosse ser inventado por nós. Enfim, estamos a falar de um mundo ficcional no qual existem livros com títulos como E se o Homem não fosse um Mito? Fechemos agora os olhos à nossa realidade por uns instantes, imaginamos esse mundo, e imaginamos que existe nele uma referência a nós, homens, que o imaginamos e pensamos neste preciso momento. Essa referência é uma indagação sobre a nossa própria existência, uma proposição de dúvida e desconfiança: tal como duvidamos desse mundo, assim também os personagens que nele habitam se questionam sobre nós e duvidam que possamos existir de facto. Resulta daí uma espécie de impasse: nem eles acreditam em nós, nem nós neles. Como podemos decidir isto? A solução mais simples é talvez admitir que se não imaginássemos esse mundo ele não poderia existir; nem de facto, nem como uma nossa construção ficcional. Mas aí eles podem dizer o mesmo de nós: quem pode assegurar que não somos o resultado da imaginação de um fauno que se indaga sobre a possibilidade de existirem personagens como nós? Onde vamos buscar esta nossa convicção de que o nosso mundo é real e o deles é ficcional?
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Há quem tenha bons argumentos (do foro lógico, prático, epistémico e metafísico) para demonstrar que aqueles mundos e seres que ficcionamos não podem ser reais. Aslan - o rei leão desta fábula - poderia apelar para a magia e dizer que tudo é possível, inclusive que um fauno esteja neste momento a narrar a história de um homem que escreve sobre ele, mas que não existe sem ser na sua cabeça. Quem sabe? Não dizia Berkeley que tudo o que percepcionamos (pensamos, sentimos etc) são excertos das ideias de Deus? Será que Deus é um “fauno” com muita imaginação? Será que nos consegue inserir e retirar da sua ficção a seu bel-prazer? Vejam o filme, que é engraçado, e pensem nisso.
Luís Rodrigues