Curtas-metragens de filosofia
Novo mês, novo tema. Desta vez vamos dar a conhecer algumas tiradas de teor marcadamente metafísico. Procurar a natureza última de todas as coisas foi e será sempre um desafio para os homens e mulheres deste planeta. Felizmente ou não, tal desafio não é encetado por toda a humanidade. Apenas alguns representantes da nossa espécie esforçaram-se por se levantar acima dos seres particulares, souberam relativizar as quezílias em que muitos de nós gastamos quase todo o tempo, e ousaram crescer até à altura do que acreditaram ser a face da verdade.
Um desses ilustres representantes da nossa espécie foi o barroquíssimo Leibniz. Eis a citação que seleccionámos:
“53: Ora, porque nas ideias de Deus está uma infinidade de Universos possíveis, e todavia apenas uma dessas pode existir, deve haver uma razão suficiente que determine Deus a escolher uma e não outra.54: E esta razão pode encontrar-se apenas na conveniência, ou seja, no grau de perfeição contido em cada um destes mundos possíveis. De facto, cada possível tem direito a pretender a Existência em proporção à perfeição que nele está implícita. 55: E esta é a razão da Existência (do melhor dos mundos possíveis), que a Sabedoria de Deus faz conhecer, a sua Bondade faz escolher e o seu Poder produz.” (Monadologia)
Esta é a parte essencial da resposta que Leibniz dá a uma singela pergunta: Porque é que existe o Ser e não o nada? Bem, nós sabemos que algo existe. Não estaríamos aqui a perguntar, a ler ou a escrever se nada fosse, pois o nada nada pode ser. Mas de que forma o que é, é? Porque é que é assim? Leibniz diz que, uma vez que o Universo existe, então ele teve de ser criado por Deus, o único ser capaz de estar fora deste Universo, pois para se criar algo é necessário que não se esteja já inseridos nesse algo. Assim, Deus cria o Universo ex nihilo, isto é, a partir do nada, que é a única forma de não haverem limitações para a importante escolha que teve de fazer. Que escolha é essa? A escolha, de entre todos os Universos possíveis, daquele que, de facto, começou a existir, do qual fazemos parte e no qual nos encontramos, neste momento, a ler coisas na Internet.
Mas uma das curiosidades de todo este argumento é que Deus, na verdade, não foi livre de fazer precisamente esta escolha para Universo. Esta é uma consequência dos parágrafos 53 e 54 da nossa citação. É que se Deus é o único ser capaz de criar o Universo, então ele tem de ser sumamente Bom e Poderoso. Como tal, ele nunca poderá escolher outro que não seja o melhor dos Universos (também se pode dizer “mundos”) possíveis. Então, de entre todos os modos possíveis de criar um Universo, este que aqui temos é o que melhor convém (parágrafo 54) à necessidade que Deus teve de escolher o mais perfeito dos mundos possíveis. “Pretender a Existência em proporção á perfeição que nele está implícita” significa que cada coisa existe do melhor modo que lhe é possível, um pouco como quando estamos doentes e pretendemos curar-nos para que possamos finalmente deixar de comer só arroz com cenouras.
Existe um grande número de questões que este argumento, chamado o argumento da Razão Suficiente ou o do melhor dos mundos possíveis, continua a levantar. Uma das mais clássicas objecções, que estende as raízes do argumento até à Ética, é a seguinte: Se este é o melhor dos mundos possíveis, porque é que há tantos homens infelizes? Porque há sofrimento? Porque não existe uma concórdia universal? Porque é que o Benfica não é campeão todos os anos?
Bom, julgo que Leibniz responderia que, mesmo assim, a combinação que há entre todos os elementos do Universo é a melhor e mais perfeita que Deus tinha à disposição. O facto de podermos facilmente conceber que este mundo não é perfeito deve-se à impossibilidade de sabermos todas as relações que se podem estabelecer entre todos os elementos deste Universo. Um Universo melhor era impossível, e nem Deus é capaz de fazer o impossível.
Até à próxima!