Não sei se será uma tarefa – atitude consciente, volitiva, ou principalmente uma constrição da tarefa humana de filosofar, o enleio no interior das relações que habitam o interior daquilo que, à partida, se julgava ser a unidade primordial do problema. Tome-se, surpreendentemente, o Cinema e procure-se relacioná-lo, por exemplo, com a Arte em geral. Se concedermos que a Arte se manifesta através de modos próprios, ou seja, que a Arte tem uma identidade sua e não que a Arte seja “tudo o que chamo de Arte”, como corajosamente proferiu Duschamp, procuremos no interior do “Cinema” aquilo que é a sua identidade, confrontemo-lo com uma certa ideia de Arte e depois decidamos se ele é ou não Arte. Isto, como é óbvio, já foi feito e parece que o Cinema ganhou o estatuto de Arte, seja lá que identidade tenha um ou outro. Mas o que se passa é que, ao tentar chegar ao conceito (de Arte, de Cinema, de Pessoa…), o pensamento vai fracturar o conceito inicial, vai como que implodi-lo e encontrar conceitos que se escondiam por baixo do conceito inicial, e que necessariamente são parte da ideia primária que tínhamos do nosso objecto. Desse estilhaçamento nascem quem sabe quantas relações, umas que levam o pensamento para fora do conceito original, pois com outros conceitos e miríades de conceitos se relacionam, outros que porventura afundam ainda mais o nosso conceito de partida numa especificidade ainda mais única, se continuarmos ainda a acreditar que ela existe, isto é, que cada entidade possui algo que a faz ser apenas essa entidade e não outra. O desenvolvimento deste incessante desdobramento é totalmente interior, ele dá-se no espírito, ou no pensamento, e quando de toda esta questão procuramos ter uma visão, interior e global, o que nos surge é uma imagem. Imagens de vectores, linhas e feixes que nascem uns dos outros, uns que surgem na extremidade de outros, outros que atravessam outros feixes, uns concorrentes, outros tangentes, outros ainda circulares ou coincidentes. A procura de um aspecto “gráfico” para o percurso de um olhar interior e profundo a um conceito desagua numa imagem, que é, não curiosamente, um conceito essencial na procura de uma compreensão do que é o Cinema.
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Pedro Sargento