Blade Runner, (ex)tensões do Negro, por Pedro Sargento
O efeito que as matizes escuras que circundam todo o filme produzem, traduzem-se num efeito de abrandamento que parece sugar-nos para dentro do ecrã. Existe um sentimento de distância que contribui para nos manter alerta, interessados pelos intervenientes, embora tenhamos os sentidos absortos pela atmosfera dançante e hipnótica daquela cidade e daquela negrura. Somos instalados, portanto, como se não mais tivéssemos controlo sobre nós, como se fôssemos criações de uma vontade superior, que no dar a imagem mostrasse um poder sem forma, sem face, mas implacavelmente soberano, místico e visível, forte e sedutor. Esse inominável poder, agachado por trás daquilo que dá a ver, e que lhe é uma face tão aparente como verdadeira, pré-existe-nos, enquanto espectadores, enquanto seres-humanos, porque dele não faz parte qualquer definição, qualquer imposição da palavra. O que de mais anterior se esconde por trás da imagem, por trás da cor, por trás da consequência no sujeito daquilo que é imagem, só se esconde porque a sua oferta o torna invisível.