Curtas-metragens de filosofia
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«Dessa forma, todos os objectos quotidianos são excluídos do mundo (daquilo que é), e no seu lugar, como aquilo que é, encontram-se particulares passageiros, do género daqueles que são captados por meio dos sentidos. Quero deixar claro que não estou a negar a existência de nada; estou apenas a recusar-me a afirmá-la. Recuso a afirmar a existência de algo para o qual não há provas de existir, mas recuso-me igualmente a negar a existência de algo para o qual não há provas do contrário» (trad. livre. Bertrand Russell, Logic and Knowledge: the philosophy of logical atomism).
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A tese de que os objectos concretos do dia-a-dia (mesas, talheres, automóveis, televisões, etc...) são ficções lógicas [logical fictions] ('ficção lógica' é apenas uma designação para um determinado tipo de objectos, nomeadamente conjuntos) resulta nesta bizarria metafísica que é não admitir a existência desses objectos, enquanto tais. Nunca duvidamos, durante os nossos afazeres, da existência desses objectos, até interagirmos com muitos deles; logo, parece absurdo não admitir a sua existência.
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O que motiva Russell a cometer esse "absurdo"? Um exemplo de um objecto vulgar, do nosso quotidiano, a secretária (o exemplo do filósofo). Quando interagimos com a secretária, por meio do sentido do tacto, apreendemos uma textura particular que se diz pertencer à secretária. Quando a apreendemos, por meio da visão, dizemos o mesmo em relação à sua forma e cor(es). Por aí adiante, em relação aos dados sensíveis que possamos apreender do putativo objecto. Como se sabe que está ali uma secretária e não outra coisa qualquer, como um unicórnio, por exemplo? Ou, um pouco mais complicado, como se sabe que aquela secretária que apreendo é a mesma secretária de há momentos atrás? A resposta é empírica, i.e. refere-se àquilo que apreendemos, por meio dos sentidos, e que atribuimos à secretária. Isto significa que a resposta não é relativa à secretária, propriamente dita. Não há nada na resposta que me leve a admitir que a secretária ou uma substância designada 'secretária' existam efectivamente. A única coisa acerca da qual posso afirmar a existência é em relação ao que me aparece, mediante os sentidos, i.e. dados sensíveis, referentes a uma suposta secretária. A que se chama 'secretária', afinal? A uma série de conjuntos de particulares (ou dados sensíveis [sense data]). A secretária seria, possivelmente, uma série i de um conjunto de cores num certo momento t, um conjunto de formas num certo momento t, um conjunto de texturas num certo momento t; por aí fora. Ora, uma vez que conjuntos são ficções lógicas, as coisas que designamos por reais, como mesa, cadeira ou secretária, são ficções lógicas, no mesmo sentido que um número é um conjunto e, portanto, uma ficção lógica.
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Espero ter conseguido simplificar de modo a ser compreensível por todos.
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Nota: quando pretendo referir-me a um objecto, a designação desse objecto deverá aparecer em itálico; quando pretendo referir-me à palavra que designa dado objecto, essa palavra aparecerá entre entre parêntesis. Por exemplo, secretária e 'secretária', o primeiro refere-se ao objecto secretária, o segundo refere-se à palavra 'secretária'.
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Até mais!
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Diogo Santos