A Vendetta dos folhados de Salsicha VI

Desde do início deste mês que tinha planeado publicar um post no blog acerca do assunto do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A vontade de o fazer surgiu durante a leitura de um artigo da autoria de Alexandra Teté, intitulado Heterossexualidade e Casamento, publicado no Público (4ª feira, 1 Fevereiro 2006, Espaço Público, pg.5).
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No mesmo artigo argumenta-se a favor da ideia de que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não discrimina nenhuma orientação sexual específica (em particular a orientação homossexual). Devo dizer que foi a primeira vez que li algo da autoria da Sra. Teté e fiquei agradavelmente impressionado com a elegância e perspicácia do argumento utilizado, mesmo que possa discordar com a posição de fundo da Sra.. Vou citar um excerto do artigo, de modo a ficar compreensível o argumento: «2. A heterossexualidade é uma nota essencial do casamento, que se funda na conjugabilidade homem-mulher e na fecundidade potencial dessa união. O casamento é uma instituição reconhecida pela sociedade como fundamental por ser o lugar natural da geração, formação da personalidade e educação das crianças. É a fonte primária do capital social. É por serem socialmente valiosos que o Estado regula e protege o casamento e a família (heterossexual monogâmica): a função do direito não é dar cobertura jurídica a todas as relações afectivas (sexuadas ou não) que possam dar-se, mas só àquelas que são socialmente relevantes. E só a relação homem-mulher está nos alicerces da sociedade. "Eu amo quem quiser", dizem. É verdade. Mas o Estado não tem nada a ver com isso.
De resto, qualquer pessoa pode casar, independentemente da sua orientação sexual. O Código Civil não proíbe o casamento dos homossexuais, mas sim o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como disse Jospin, a este propósito, "a humanidade não se divide entre homossexuais e heteressexuais, mas entre homens e mulheres". Aliás, a lei estabelece outras restrições: exclui o casamento poligâmico, exige um determinada idade, proíbe o casamento entre pessoas com laços de consaguinidade de certo grau, etc. Serão também discriminações inconstitucionais, uma vez que contrariam algumas orientação sexuais?».
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Convirá negligenciar as partes mais conservadoras do excerto, sobretudo no que respeita à sobrevalorização da instituição casamento. Também é difícil concordar com a tese de que o critério para haver casamento seja a «fecundidade potencial da união»; nada impede que duas pessoas estéreis se casem, e a união não seria, de modo algum, potencialmente fecunda nesse caso. Ignore-se igualmente as comparações da homossexualidade a relações entre pessoas com laços fortes de consaguinidade ou a relações entre pessoas menores, uma vez que essas situações não dizem respeito a orientações sexuais(!), ao contrário daquilo que a autora nos quer fazer crer.
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Aquilo sobre o qual o artigo nos leva a questionar seriamente é se a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo é discriminatória. Depois de ler o artigo e saber do argumento, tenho de confessar que defendo que não. Não é discriminatória, na medida em que a lei (essa proibição) não discrimina nenhum cidadão em particular, aplica-se (em sentido forte) igualmente a todos os cidadãos. Qualquer heterossexual está proibido de casar com outra pessoa do mesmo sexo. Também o heterossexual não pode casar com quem quer. De modo inverso, a lei permite casamentos entre homossexuais. Por exemplo, uma lésbica e um homossexual masculino podem casar! A lei não discrimina, portanto, ao nível das orientações sexuais dos parceiros envolvidos. Proíbe sim casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que é bem diferente.
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O argumento não é decisivo, uma vez que não ataca todo o conjunto de argumentos da posição concorrente, o seu escopo limita-se a servir de réplica eficaz para um argumento típico dos defensores da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a saber que a lei proibir tal coisa discrimina a orientação sexual do indivíduo.
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Gostaria de acrescentar que o assunto do casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido trazido para a ribalta por pressão de um lobby muito forte na sociedade portuguesa e não é sem alguma quantidade de oportunismo de vários indivíduos e de uma parcialidade estranha da imprensa (também do cinema, veja-se os últimos filmes que têm saído) que o problema tem sido discutido e abordado - o problema merece, de facto, melhor, merece uma discussão séria (até filosófica), como aquela que a Sra. Teté forneceu.
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Cumprimentos!
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Diogo S.