Teatro-filia

"Othello and Desdemona in Venice" by Théodore Chassériau (1819–1856)
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Otelo de Shakespeare é por norma classificada como uma tragédia. E era uma tragédia que eu esperava ver representada no Teatro da Trindade, isto depois de já ter lido outras obras do autor (mas não esta). Se a representação que vi foi minimamente fiel à história original (e foi, a confiar na opinião dos amigos que comigo foram e que já tinham lido o texto), a história é de facto uma tragédia. Mas talvez o mais fantástico das obras de Shakespeare seja o conseguirem congregar na mesma história elementos do trágico e do cómico, fazendo-o com tal mestria que nos ficam a merecer, por isso e por muito mais, toda a admiração e reverência que habitualmente lhe devotamos. Penso que a técnica já não era nova no tempo de Shakespeare, remontando possivelmente aos “inventores” da tragédia e da comédia: os gregos antigos. Deixo contudo essa análise para os especialistas.
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Bem, não desejo alongar-me, para mais num assunto do qual pouco ou nada sei. Apenas gostaria de dizer que o meu personagem preferido na obra é mesmo Yago, quer pela sua densidade psicológica (há quem discorde) quer pela necessidade da sua presença para que a tragédia de desenvolva. Sem Yago não haveria tragédia, nem comédia: ele é o catalisador, a pedra angular que reflecte a “luz” e as “trevas” que estabelecem e simbolizam quer o trágico quer o cómico. Sem Yago não haveria lágrimas ou risos, prantos ou gargalhadas – Ele é o “outro”, o mau, o traidor, o judas; aquele que odiamos mas cujas motivações conseguimos compreender, aquele pelo qual medimos a nossa própria bondade e justeza por contraposição. Ele é aquele que admiramos pela astúcia demonstrada, mas que não desejamos venerar nem podemos enaltecer. Ele é, enfim, aquele que todos nós sabemos ser um pouco de nós (até porque não há santos), um pouco que nos incomoda e, quem sabe, até nos dá ânimo para viver.
Será Otelo o personagem principal desta obra de Shakespeare? Cássio, talvez? Humm… julgo que não. Para mais porque, já o sabia perfeitamente Shakespeare, enquanto houver Natureza Humana haverá, certamente, Yagos em cada um de nós - o que lhes confere uma importância extra.
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Luís