A Vendetta dos folhados de Salsicha III
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Vejo o jornalismo em Portugal como uma área em mudança. Eu gostaria de crer que a mudança será para melhor, mas as coisas nem sempre decorrem do modo como mais gostariamos que elas decorressem. A mudança no jornalismo nacional, por exemplo, não decorre de acordo com o nosso gosto. Em 'nosso' incluo todos aqueles que tenham um gosto democrático.
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Os órgãos de comunicação social têm um poder desmesurado e, como tal, de difícil controlo. O mínimo deslize de um jornalista ou o mínimo aparte acarreta graves consequências para as sociedades contemporâneas. O mundo, tanto o longínquo como o vizinho, é-nos relatado mediante os media, quer nos apareçam no televisor quer nos jornais quer nas rádios. Tudo quanto sabemos, sabemo-lo através destes mensageiros modernos. Até dada medida, controlam a opinião pública ou, pelo menos, podem controlá-la, se assim desejarem.
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Possuindo este poder, duas coisas devem ser exigidas ao jornalismo: (a) isenção e (b) qualidade. A exigência de isenção é um problema bicudo. É possível ser-se absolutamente isento? O jornalismo americano responde a esta pergunta com uma negação, resposta com a qual concordo. Aquilo com que não concordo é a reacção em termos de sistema que daí resultou. Passou a haver nos Estados Unidos canais que se dizem abertamente de um partido político ou apologistas de uma ideologia (em sentido político) específica. Começaram, por exemplo, a fazer-se noticiários e programas na Fox (cadeia televisiva norte-americana) com teor abertamente republicano (o mesmo sucede com outros canais ditos democratas). Isto quer dizer que passou a ser normal ver um pivô de telejornal opinar politicamente sobre os mais diversos assuntos, durante a emissão de um programa de cariz informativo, como é o noticiário. Mais, as entrevistas a figuras políticas no Estados Unidos são claramente influenciadas pelas preferências ideológicas do entrevistador, nem há qualquer esforço para o ocultar. A situação em Portugal não chegou ainda a esse ponto, e ainda bem. Todavia, há sintomas que indiciam que a moda americana pode pegar aqui. Quando um jornalista tece apartes para além de simplesmente informar está a falhar a exigência de isenção. A Srª Drª Manuela Moura Guedes é um caso flagrante de violação dessa exigência. Naturalmente não é possível isenção absoluta, mas o único controlo possível perante o poder dos órgãos de comunicação é o esforço em, pelo menos, conseguir um trabalho quase isento. Quando se desiste de tal tarefa, o trabalho do jornalista perde o seu carácter somente informativo e passa a ter um carácter opinativo: comenta-se a nova, em vez de se relatá-la apenas. É escusado reforçar o perigo que há em proceder desta forma no que respeita ao condicionamente da opinião pública.
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O que dizer da qualidade do jornalismo em Portugal? Só posso dizer que não há em grande quantidade. Não duvido que haja um ou outro jornalista muito bom, mas, referindo-me sobretudo àqueles com maior projecção pública, a qualidade roça o miserável. Ver durante um debate presidencial um jornalista elaborar a seguinte questão a um dos candidatos: «o Sr., caso seja eleito presidente, usará gravata?». Escuso-me de dizer a importância fundamental desta pergunta para o resultado das eleições, bem como o seu valor político. Certamente o candidato ter-se-á esquecido - um lapso imperdoável - de apontar no seu programa político que iria usar gravatar «sempre que a ocasião o exigisse». Quem sofre com a lacuna qualitativa? Obviamente, o público, que não é informado convenientemente, ou que é desinformado, na medida em que aquilo que é relatado não é do seu interesse, mas do seu desinteresse.
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Uma sociedade democrática tem como um dos seus pilares meios de comunicação livres. Não obstante, a sociedade não sobrevive como democrática quando esses meios não são por princípio isentos nem possuem a qualidade suficiente para que seja possível que o público forme uma opinião informada e livre, de facto, acerca daquilo que ocorre no mundo. O perigo é político.
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Cumprimentos,
Diogo S.