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terça-feira, abril 04, 2006

A Vendetta dos Folhados de Salsicha VIII

Sobre o mau uso da filosofia e do termo “Filosofia”



Ontem, 3 de Abril de 2006, passou na RTP1, um canal de serviço público, recorde-se, o conhecido programa Prós e Contras. Pelo que percebi, nesse programa foram discutidos, em geral, problemas económicos do país, e, em particular, a reforma da administração pública. Não será então de espantar que o painel de comentadores (também conhecidos por paineleiros, dito à moda do sr. Pinto da Costa, presidente do FCP) fosse constituído por economistas, entre os quais encontrávamos o actual ministro das finanças e outras destacadas figuras da área. Até aqui tudo bem: para discutir economia na TV, colocamos economistas na TV, especialistas que, à partida, oferecem algumas garantias de qualidade da discussão e uma análise rigorosa dos factos (económicos e políticos).
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Mas o grande problema com certos especialistas, principalmente de alguns daqueles que adquirem estatuto para serem convidados a aparecer na TV de vez em quando, parece ser o de que, vítimas da sua própria vaidade e retórica, abusam e “esticam-se” ao comprido em certas afirmações que fazem. Explico. No referido programa, um tal de Dr. Leite (ou Doutor, não sei ao certo, mas não era a Manuela Ferreira Leite), um economista de ponta, ao que parece, usou uma expressão caricata para se referir à falta de solidez (prática, terrena) das propostas do governo no que respeita à reforma da Administração Pública. Não posso precisar a frase exacta, mas foi qualquer coisa como “Temos de deixar a República de Platão, ou pensar que caem anjos do céu”. Fiquei admirado com esta asserção, tal era a analogia que pensei nela encontrar. Interpretei essas palavras como um ataque à falta de carácter prático e de efectividade de algumas propostas do governo no que concerne à reforma da Função Pública, algo que o supramencionado economista identificava, usando, mal, lá está, a referida analogia, com o estado de coisas proposto pela República de Platão – o platonismo aéreo das Ideias, Formas abstractas entenda-se, aquele a que os leigos gostam de se referir dando-se ares de grandeza e erudição, mas não compreendendo de todo; e, quiçá, fazendo também de caminho uma alusão disforme e abstrusa, além de muitíssimo incorrecta, ao comunitarismo platónico, tantas vezes indevidamente confundido com o comunismo marxista-leninista. Enfim, coisas de paineleiros que leram (se é que leram) a República na diagonal.
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Este episódio que agora relato nem teria grande importância não fosse servir na perfeição para denunciar um uso espúrio e recorrente que alguns pseudo-savants da praça pública fazem de expressões pertencentes de jure à Filosofia, começando pelo próprio termo “filosofia”. Vemos, por exemplo, o Prof. Mourinho (já para não falar de outros filósofos de ponta, como o senhor Paulo Bento, treinador do Sporting) falar de filosofia de jogo em clara referência ao método ou modo de jogo que implementam. Vemos o Prof. Marcelo falar da filosofia do governo, para referir um estilo de governação. Vemos, até, pasme-se!, professores entrevistados, em telejornais que passam em horário nobre, falar de filosofia educativa para mencionar conteúdos programáticos de educação e do sistema educativo. Todos estes usos – e muitos outros que por aí encontramos – são, no mínimo, abusivos e, a limite, ilegítimos!
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Talvez até se possam compreender estes usos ilegítimos à luz de uma utilização corriqueira do termo”filosofia”, na qual, segundo o entendimento estreito de muitos, tudo parece caber: desde a mais louca concepção da filosofia enquanto pré-história das ciências contemporâneas, passando pela atribuição arbitrária do termo para designar uma qualquer teoria, científica ou pseudo-cientifica, com pressupostos ou conclusões dificilmente susceptíveis de serem provados empiricamente (e.g. as conclusões de algumas teorias pós-modernaças ou propensas a serem interpretadas pelos relativistas como boas), ou, inclusive, a descrição de algum método ou sistema de acção – Por exemplo, como meter o frango no micro-ondas sem ficar contaminado pela gripe da aves, algo que pode passar a ser conhecido por, e referido como (suponha-se, pelo José Rodrigues dos Santos, alguém a quem esta elocução assentaria que nem uma luva), a “Filosofia da Introdução do Frango no Micro sem Consequências Colaterais de Pandemia Deslocalizada” (ou, FIFMCCPD, uma sigla que faria por certo as delícias de muitos especialistas portugueses de topo, paineleiros ou não paineleiros).
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Usar “filosofia” e outras expressões assim tão corriqueiramente é ingrato para aqueles que fazem um seu uso correcto e especializado. Nos antípodas, os filósofos também não deveriam abusar, por exemplo, de certas expressões como “Economia filosófica à escala global”, ou algo do género. Tais usos e abusos seriam também, em minha opinião, uma tentativa de apropriação indevida, como alguns fazem de uma forma que quase roça a obscenidade, de expressões pertencentes quase exclusivamente a outras províncias do conhecimento.
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Mas não é que eu defenda a exclusividade ou estanquicidade de vocabulário! O que defendo é um uso correcto de certas expressões, um uso correcto porque minimamente assente na compreensão do seu significado por parte dos utilizadores; i.e., defendo um uso informado de certas expressões. Exige-se, pelo menos, um conhecimento de causa e do que está em jogo, principalmente para aqueles que têm a responsabilidade social de se dirigirem a milhões e de por eles serem ouvidos (não estamos a falar, como é óbvio de um grau de responsabilidade semelhante ao que pode ser imputado, por exemplo, aos editores do Cinefilosofia; que, aliás, sempre se preocuparam em ser maximamente responsáveis).
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Não podemos por certo usar de forma legítima e avisada a expressão “metafísica” para denotar tudo o que é abstracto ou teórico. Quando alguém diz “Ah, e tal, isso é muito metafísico”, saberá o que está dizer? Quer referir-se ao quê? À disciplina? Ao método? À procura dos primeiros princípios e causas, como defendia Aristóteles, o fundador da disciplina? Ou ao estudo do Ser e do Ente? Não sabem? Então evitem-se de usar se não o sabem fazer! Tal como no caso dos extintores ou dos DVDs de sala, dos micro-ondas ou dos aparelhos de TAC, as pessoas devem ler as instruções antes de usar. Devem saber do que falam para poderem usar o conhecimento com legitimidade. Por que razão não deveria também ser assim com expressões especializadas da filosofia? Que direito (e não falo de direito social ou civil) têm certas pessoas de as usar, não percebendo minimamente o que estão a dizer? – É que nem percebem as enormidades que dizem e as calinadas que cometem quando usam indevidamente certas expressões. Claro que, quando isso acontece na TV ou em qualquer outro meio de comunicação social, fica-lhes o conforto de ficarem bem na fotografia, por usarem o que não devem como não devem. Para isso enganam milhares de pessoas, e confundem outros tantos milhares.

(Eis um bom tema para, por exemplo, o programa O Eixo do Mal, da SIC Notícias, no qual a autocrítica nem sempre é bem-vinda, ou visitada).

Bem, não se trata de ser purista... mas, enfim, recomenda-se respeito e utilizações não-metafóricas para as expressões nativas da filosofia. Recomenda-se isso especialmente àqueles pessoas que pertencem a outras áreas, e que, tal como as que estão nesta, desejam ver a suas respeitadas. A República de Platão (o livro) não é um prato-do-dia que se manda vir à “mesa” do painel para explicar uma situação in abstractum: fazê-lo não passa de uma tolice de gente, literalmente, mal-educada, pois desrespeitam o filósofo autor da obra e os filósofos que a sabem discutir.

(A propósito, e antes que venham a críticas dos colegas de Direito, quero dizer que a expressão “de Jure” não é um exclusivo da disciplina de Direito, pertencendo também legitimamente, à disciplina da Filosofia do Direito, uma ramificação da Filosofia Social e Politica e da Ética – essas sim, filosofias, na verdadeira acepção da palavra.)

Luís

Temporariamente reintegrado na sociedade bloguista

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A Vendetta dos Folhados de Salsicha é um artigo ocasional do Cinefilosofia no qual se exerce uma crítica despudurada sobre vários assuntos dignos de registo.

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